Introdução
Hoje em dia, se fala e comenta-se sobre cerimonial e protocolo com intimidade. Até parece que todo mundo entende do assunto ou é obrigado a entender. Por outro lado, vemos profissionais de outras áreas envolvidos na organização de solenidades e cerimônias sem o menor conhecimento das técnicas e instrumentos utilizados, e até da legislação que rege as atividades oficiais.
Mas, apesar dessa universalização e aparente massificação, o cerimonial vem se consolidando como uma atividade de suma importância no dia a dia de todas as organizações, notadamente as públicas.
Por isso, é necessário que o profissional responsável pelo cerimonial ou envolvido com suas atividades numa casa legislativa estude, pesquise e se atualize sempre sobre o assunto.
No legislativo federal, estadual e municipal o seu exercício é determinante para o bom andamento dos variados eventos que caracterizam a natureza de nosso Parlamento, Assembleias e Câmaras Municipais.
O encarregado do cerimonial de uma câmara municipal tem que ter em mente que a condução dos eventos e atividades sob o seu comando deve estar focada no imperativo de um resultado exitoso que não comprometa a imagem da instituição e da autoridade que a preside.
O Cerimonial hoje
Cerimonial, protocolo e etiqueta são termos usualmente empregados como sinônimos, apesar de seus conceitos serem distintos. O objetivo comum destes três conceitos é sistematizar as relações sociais, servindo de parâmetro para a atuação dos indivíduos, organizações e governos.
De acordo com o Embaixador Ferreira Melo “protocolo e cerimonial em sentido amplo são expressões sinônimas cuja finalidade consiste, principalmente, em resolver o problema das precedências”.
O cerimonial, em termos gerais, estabelece a sucessão dos atos de uma cerimônia ou evento. Trata-se de um roteiro geral a ser aplicado e respeitado por todos aqueles que participarão da cerimônia.
Nos dias de hoje, de acordo com o Embaixador Augusto Estellita Lins podemos identificar duas correntes ou escolas. A “escola formalista” que segue regras estritas para cada circunstância, seu exemplo máximo é o protocolo de corte encontrado no Vaticano, em casas reais europeias e na Corte Japonesa, por exemplo.
A outra corrente é da “escola política ou utilitária” mais adaptada às implicações econômicas, sociais e políticas modernas, que simplifica o protocolo e o adapta a outros interesses.
Na verdade, num mundo em que o conceito de tempo extrapolou da sua significância original, medidor da passagem da vida, para ser uma referência de valor econômico e medidor qualitativo de atuação profissional, a visão de longas cerimônias, almoços e banquetes com horas de duração, discursos enfadonhos, e solenidades com início determinado e sem término previsto tornaram-se totalmente anacrônicas.
Observa-se cada vez mais, uma tendência que tende a moldar o dia a dia do cidadão, bem como das instituições. E o profissional envolvido com os assuntos de cerimonial não pode deixar de estar atento a este movimento universal que objetiva simplificar o cotidiano das instituições e organizações. Ou seja, a palavra de ordem nas relações hoje em dia é simplificação. O que não implica na redução de importância das instituições ou autoridades que as representam ou a elas estão ligados.
O movimento de simplificação não pode ser tomado como um processo de transformar atos oficiais e públicos em eventos informais A informalidade não é sinônimo de simplificação, e tão pouco cabe num evento público de caráter oficial. Todo ato oficial requer e está imbuído de uma formalidade, mesmo que seja executado de forma simplificada.
A simplificação de procedimentos não implica no abandono dos atributos de educação, discrição e bom gosto, que devem permear toda e qualquer ação de cerimonial. Bem como, o entendimento claro de que os princípios que regem a ação do profissional aqui tratado obrigatoriamente devem ser o de generosidade, humildade e real interesse pelas pessoas.
O cerimonial tem a responsabilidade de promover a harmonia entre todos os participantes, respeitando os níveis hierárquicos das autoridades presentes, por meio do uso adequado da precedência, seu principal instrumento de orientação.
O Cerimonial e a Opinião Pública
O mundo vem passando por um processo de desenvolvimento em todos os aspectos e setores, fato sem precedentes na história da civilização.
As pessoas no âmbito pessoal, profissional ou coletivo são bombardeadas continuamente por um volume de informações que se propaga em progressão geométrica. A reação a este movimento é uma natural procura por mais informação devido ao interesse despertado.
O tão falado processo de globalização incrementou e tornou instantâneas as comunicações, aproximando e estreitando os laços entre os indivíduos seja em escala local, regional ou mesmo mundial. Processo esse potencializado ao extremo com o advento do surto pandêmico do COVID-19.
Toda essa dinâmica comunicacional faz com que, cada vez mais, a sociedade como um todo exija e clame por transparência em relação aos assuntos públicos e oficiais. Não há justificativa para a existência de organizações públicas fechadas e distantes da população, e afastadas da opinião pública pelo isolamento de seus atos. E no Legislativo, onde se encontram os representantes da população essa situação é simplesmente impensável.
O Cerimonial na Câmara Municipal
As ações de cerimonial na área pública, por sua natureza oficial diferem das ações de cerimonial praticadas no setor privado (empresas e instituições privadas) ou mesmo daqueles eventos sociais realizados em âmbito particular ou familiar (cerimônias de casamento, festas de 15 anos, formaturas, festas de confraternização).
Portanto, as ações de cerimonial realizadas no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo (nos níveis federal, estadual e municipal) e do Poder Judiciário (nos níveis federal e estadual) referem-se ao Cerimonial Público.
O Cerimonial Público se aplica a um evento oficial, que se caracteriza por ser uma cerimônia pública, de caráter solene e oficial, realizada no âmbito de uma instituição pública.
Numa casa legislativa municipal, os eventos oficiais podem ser agrupados nas seguintes categorias: sessões solenes ou especiais, compromissos constitucionais, cerimônias de instalação, cerimônias comemorativas, visitas oficiais e de cortesia, recepções oficiais, homenagens e cerimônias fúnebres, bem como os eventos institucionais de iniciativa da Presidência ou da Comissão Diretora; ou seja, uma sucessão de fatos solenes ou não.
Mas, a sua execução difere de acordo com a realidade de cada casa legislativa. Há câmaras com muitos recursos financeiros e instalações suficientes para eventos de grande porte, outras têm plenários muito espaçosos e bem instalados, mas sofrem com a falta de recursos. A maior parte das câmaras têm instalações muito pequenas e os recursos humanos para executarem todas as funções da Casa giram em torno de 1 a 3 funcionários, em média.
Portanto, não é possível criar um modelo ou padrão de cerimônia único para as milhares de câmaras do País adotarem. O que pode servir perfeitamente para uma localidade, pode não se adequar a outra. Além do mais, cada casa legislativa é sede do Poder Legislativo Municipal. E como tal, define o seu funcionamento e gestão, bem como o processo legislativo, sem nenhuma interferência de outro poder ou esfera da administração, seja estadual ou federal.
Essa autonomia política e administrativa municipal é resultante de uma nova realidade imposta na relação entre os poderes, a partir da Constituição Federal de 1988. Realidade esta legitimada nas constituições federais e estaduais, e especificamente nas leis orgânicas municipais (LOM). Tratava-se de uma reestruturação das relações entre as esferas de poder: União, estados e municípios.
O encarregado de cerimonial da casa legislativa tem que conhecer bem o texto da LOM do seu município, pois nela estão definidos o papel da câmara municipal, sua organização, funcionamento e competências, bem como estão estabelecidos o papel e as responsabilidades e atribuições do prefeito e vice-prefeito, e dos secretários municipais no que diz respeito ao Poder Executivo Municipal, além de outros tópicos.
Esse conhecimento é fundamental em função de outro documento que regerá toda a ação do cerimonial da câmara: o Regimento Interno. É o documento legal, elaborado e aprovado pelo conjunto de vereadores, que disciplina o funcionamento da câmara municipal. E estabelece, em consonância com a Constituição Federal, o processo legislativo da casa, que prevê as situações nas quais o cerimonial irá atuar. O seu texto deve manter estreita relação com a Lei Orgânica Municipal.
Importante salientar que estes dois instrumentos legais balizam toda a ação do cerimonial municipal, tendo em vista estabelecer a posição dos chefes dos Poderes Legislativo e Executivo, o Presidente da Câmara Municipal e o Prefeito Municipal, dos vereadores e dos secretários municipais.
A precedência entre eles sempre será estabelecida a partir do critério anfitrião, ou seja, na esfera de qual poder está sendo realizado o evento oficial. Mas, em todos os municípios, os vereadores tem precedência sobre os secretários municipais, por uma simples razão: são detentores de cargos eletivos e são os legítimos representantes da população, os secretários são cargos de confiança do prefeito municipal. Os mesmos só passam à frente dos vereadores quando indicados pelo prefeito como seu representante, ou quando anfitriões em suas respectivas secretarias.
Por seu caráter oficial o cerimonial público, aqui no Brasil, é regido por lei, o Decreto-Lei nº 70.274, de 9 de março de 1972, que estabeleceu as normas do Cerimonial Público da República Federativa do Brasil e a Ordem Geral de Precedência. Apesar do anacronismo em relação a algumas situações, continua em vigor e foi pouco alterado ao longo do tempo.
Só para se ter uma ideia, naquela época, em pleno regime militar, sequer existia o Superior Tribunal de Justiça e a estrutura da administração pública federal e estadual era muito menor. E, mais importante, a precedência estabelecida na época não condizia com um regime democrático como o atual.
O decreto é do Executivo, está defasado e não regula a questão no âmbito municipal. Uma solução interessante para o município seria a formação de uma comissão conjunta com a câmara e a prefeitura para formalizar uma lei regulando o cerimonial do município e estabelecendo a ordem de precedência municipal. Tal medida evitaria com certeza futuros desentendimentos e situações constrangedoras.
Por outro lado, para muitos municípios brasileiros, essa possível lei municipal seria uma excelente oportunidade para a oficialização do hino municipal, do brasão do município e, em alguns casos, até da sua bandeira. Pois, ainda, existem muitos municípios que não formalizaram e/ou oficializaram seus símbolos oficiais.
O decreto estabelece a precedência para o Poder Legislativo no art. 9º: “A precedência entre membros do Congresso Nacional e entre membros das assembleias legislativas é determinada pela ordem de criação da unidade federativa a que pertençam e, dentro da mesma unidade, sucessivamente pela data de diplomação ou pela idade”.
No município, portanto, a precedência entre os vereadores é estabelecida pela data de diplomação ou pela idade, por simetria à lei. O critério de “mais votado” não cabe em nenhuma situação, visto que os vereadores ao serem diplomados pelos Tribunais Regionais Eleitorais, após a confirmação do resultado da eleição, passam a pertencer a um colegiado, onde todos tem a mesma posição.
Além desses pontos específicos a serem considerados, existem outros de natureza geral que não podem ser descuidados. Todo cerimonialista tem que ter como foco, o entendimento de que um evento por sua característica única não tem possibilidade de ser refeito, e que o mesmo seja qual for o seu porte ou magnitude da solenidade, pela sua transparência e dinâmica própria, acaba refletindo a imagem dos seus organizadores.
Imagine uma determinada câmara municipal recebendo o governador do estado e outras autoridades quando alguém se dá conta que a Bandeira Nacional está de cabeça para baixo. Ou que, para agradar determinadas autoridades ou personalidades, vai se aumentando o número de pessoas na mesa de honra, deixando na plateia autoridades do mesmo nível hierárquico causando constrangimentos desnecessários.
Dessa forma todo o esforço, cuidado, atenção devem ser empregados no planejamento e execução de uma solenidade. Uma mesa de honra desorganizada, uma nominata errada, um roteiro para o mestre de cerimônias incompleto podem comprometer o sucesso do evento, e passam a imagem de uma organização descuidada, e o que tinha por objetivo anunciar algo de importante para o município, mostra, ao contrário, uma organização não comprometida com seus papéis institucionais.
Regras de cerimonial sempre existiram, mas a sociedade evolui, os tempos mudam e as regras se adéquam aos novos tempos. E nestes tempos pandêmicos em que vivemos os fatos só corroboram e reafirmam essa tendência.
Conclusão
O Cerimonial Público Brasileiro é regido basicamente por dois dispositivos legais: o Decreto-Lei nº 70.274/72 e a Lei nº 5.700, de 1º de setembro de 1971, que dispõem da forma e apresentação dos Símbolos Nacionais.
Na Câmara Municipal, mesmo tendo por base esse arcabouço legal, o encarregado do cerimonial deve observar a Lei Orgânica Municipal, o Regimento Interno da Câmara, as convenções, tradições e acordos existentes, lembrando sempre que a lei máxima do cerimonial é o uso do bom senso, que aliado às normas protocolares em vigor determinará o nível de solenidade pretendido, o que revestirá as cerimônias da dignidade exigida.
Todo evento, acontecimento único e especial, transmite uma gama variada de informação aos seus participantes, além daquelas que são oralmente expressas. A recepção, o local, a forma de tratamento e a condução dos trabalhos podem conferir ao acontecimento maior ou menor distinção. Muitas vezes a complexidade dos trabalhos realizados exige que outras áreas da organização se envolvam na sua organização, além da equipe do cerimonial/relações públicas/eventos.
Portanto ao buscar organizar uma solenidade de forma correta, o encarregado do cerimonial deve ter em mente que só dessa forma a câmara municipal sairá valorizada e com uma boa imagem perante a opinião pública, o que contribuirá para que a casa legislativa atinja os objetivos preconizados na Lei Orgânica Municipal, atendendo assim aos interesses da comunidade onde ela se insere.
E para refletir vale a pena ter em mente a afirmativa de Gloria Kalil:
“Vamos deixar que as novas regras se formem ditadas pelo afeto e pelo bom senso. Essa é a regra que interessa (e que funciona), pois leva em conta o bem-estar, as verdadeiras emoções e a multiplicidade de opções que a vida moderna apresenta.”
Referências:
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BIONDO, Francisco Etelvino e SOARES, Paulo Henrique. Apontamentos sobre o Poder Público Municipal: a Lei Orgânica do Município e o Regimento Interno da Câmara Municipal. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial do Interlegis, 2010.
BRAZ, Petrônio. O Vereador: atribuições, direitos e deveres. Campinas: Servanda, 2007.
CIACAGLIA, Maria Cecília. Organização de Eventos: teoria e prática. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
KALIL, Gloria. Alô, Chics! Etiqueta contemporânea. São Paulo: Ediouro, 2007.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. 4. ed. ver. ampl. São Paulo: Summus, 2003.
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SPEERS, Nelson. Cerimonial para Relações Públicas. 3 vol. São Paulo: Hexágono Cultural, 2004..
Francisco Etelvino Biondo é bacharel em Relações Públicas e Publicidade pela Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e fez o curso de mestrado em Administração de Empresas pela COPEAD, da mesma Universidade. Exerceu diversas funções de gerência e direção em empresas privadas e órgãos públicos, e funções acadêmicas em instituições de ensino superior. Em 1998 ingressou no Senado Federal por concurso público como Analista Legislativo, onde de abril de 2001 a junho de 2006 respondeu pela área de Relações Públicas, como Diretor da Secretaria de Relações Públicas. No período de julho 2007 a maio 2019 ocupou vários postos de direção no Programa Interlegis, do Instituto Legislativo Brasileiro. Atualmente, está lotado como Assessor na Primeira-Secretaria do Senado. Membro fundador da Associação Brasileira de Profissionais de Cerimonial – ABPC, onde é Vice-Presidente para a Região Centro-Oeste. Foi Assessor da Presidência e Diretor Adjunto Legislativo do Comitê Nacional de Cerimonial Público, nas gestões 2005/2006 e 2013/2014; foi Conselheiro Federal, nas gestões de 2004/2006 e 2007/2009, do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas; e Representante da América do Sul no Comitê Executivo da Global Alliance for Public Relations and Management Communications, no período 2004/2005.